O registro na prática docente: da memória individual à memória coletiva
- Daniela Cabrera

- 21 de nov.
- 2 min de leitura

Além de acionar a memória do vivido, o ato de registrar também organiza o pensamento. Para tornar visível esse duplo processo, compartilho uma experiência vivenciada com o grupo de professoras com quem atuei diariamente.
Tradicionalmente, a escola iniciava o ano letivo com a semana de planejamento — um tempo de reflexão coletiva, sem crianças e famílias, dedicado à discussão de aspectos metodológicos, sociais e culturais. O que mais me inquietava, como gestora, era a continuidade desses processos reflexivos ao longo do ano.
Nesse primeiro encontro, discutimos diferentes temas e realizamos a transposição didática para a nossa realidade: uma escola de classe média alta, localizada na região metropolitana de São Paulo.
No segundo semestre, ao retornar das férias, propus um exercício às educadoras: rememorar a experiência formativa da primeira semana de planejamento. Apesar de alguns fragmentos de memória surgirem, os relatos eram desconexos. Uma fala marcou esse encontro: “Nós vivemos tão intensamente na escola, que parece que faz anos que tivemos essa experiência. É como se vivêssemos anos em meses.”
Essa percepção dialoga com o conceito de modernidade líquida, de Bauman, que nos faz refletir sobre a fluidez e a constante transformação das relações sociais — inclusive dentro da escola.
Foi nesse momento que entreguei a elas os registros escritos no início do ano. Bastou a leitura de um ou dois post-its para que as memórias fossem acionadas: as sequências metodológicas, os conteúdos, as discussões, até mesmo os sentimentos vividos. O registro havia se tornado um gatilho de memória.
Assim, as educadoras contrapuseram com os estudos que já haviam feito:
“A neurociência afirma que, ao registrarmos principalmente de forma escrita, tiramos aquele dado da memória temporária e o colocamos na memória permanente. Não escrever também leva ao esquecimento, pois o pensamento se perde em nosso cérebro, que prioriza fatos relevantes.”
“Enquanto registramos, imediatamente refletimos sobre o acontecido. Rever os registros nos permite relembrar e analisar situações vividas pelas crianças, entender processos individuais de aprendizagem, estratégias e comportamentos dos alunos.”
No entanto, cabe aqui uma reflexão: como educadores, muitas vezes terceirizamos o ato de registrar apenas para acompanhar os processos de aprendizagem das crianças. Mas e se o registro fosse também um espelho da nossa própria caminhada?
Ao registrarmos nossas experiências, passamos a reconhecer o que aprendemos, o que ainda nos inquieta e o que desejamos transformar. Mais do que memória, o registro pode se tornar um espaço de autoria e pertencimento — um lugar onde nossas vozes se encontram para construir, coletivamente, a história viva da escola.



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