QUANDO A BRUXA SALOMÉ VIROU PAUTA NA AGENDA
- Daniela Cabrera

- há 5 dias
- 2 min de leitura

Um episódio comum na Educação Infantil merece aqui um olhar mais atento. Cabe explicar que esses relatos não são carregados de julgamento, mas sim de construção de conhecimento.
Certa vez, cheguei do almoço e uma professora veio correndo com uma agenda na mão: — Dani, acho que a mãe ficou brava com esse livro.
Perguntei: — Que livro?
Ela respondeu: — Heckedy Peg.
O título em português é A Bruxa Salomé, de Audrey Wood, com ilustrações de Don Wood. No original, chama-se Heckedy Peg. A história conta sobre uma mãe que tem sete filhos, cada um com o nome de um dia da semana: Segunda, Terça, Quarta, Quinta, Sexta, Sábado e Domingo. Um dia, a bruxa Salomé engana as crianças e as transforma em comida. A mãe, usando astúcia e coragem, consegue enganar a bruxa e resgatar os filhos, mostrando a força do amor materno e da inteligência diante do perigo.
Na agenda, a família havia escrito: “Acho que minha filha não tem maturidade para lidar com um livro em que a mãe finge cortar as pernas para salvar seus filhos. Creio que ela ficou amedrontada.”
E aqui me pergunto: se um livro não for capaz de provocar sentimentos para que possamos conversar sobre eles, qual seria então o seu papel?
As famílias não são obrigadas a saber lidar com a literatura, mas é essencial que possamos manter o diálogo aberto com nossos filhos. A literatura não ameniza as dores humanas — ela as expõe, para que possamos elaborar sentidos sobre elas.
Nesse livro em especial, a grande questão não é o medo, mas sim a demonstração de até onde o amor de uma mãe pode chegar para salvar seus filhos. Além disso, a obra ressalta como uma mãe conhece profundamente cada um deles: apenas a partir da descrição de desejos, ela é capaz de diferenciar quem é quem.
Leiam esse clássico literário e vocês compreenderão melhor esse trecho.
Infelizmente, muitas editoras e até mesmo autores acabam se submetendo à lógica da “escrita por tematização” para atender demandas mercadológicas, esquecendo-se da função essencial da literatura: a de humanizar o homem, conforme defende Antonio Candido.
Livros como A Bruxa Salomé não existem apenas para entreter: eles nos desafiam a sentir, refletir e dialogar. Ao lê-los com as crianças, abrimos espaço para emoções e para o pulsar da vida.
É nesse encontro entre leitor, livro e vida que a literatura cumpre seu papel mais profundo: humanizar e conectar pessoas.



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