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REBOBINAR A VIDA

  • Foto do escritor: Daniela Cabrera
    Daniela Cabrera
  • 10 de out.
  • 2 min de leitura
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A primeira vez que ouvi a expressão “a literatura tem o poder de rebobinar a vida”, fiquei completamente em suspensão. Gosto de usar esse verbo — suspender-se — para nomear os momentos em que tento compreender não só o sentido das palavras, mas o que elas significam em mim. Permaneci ali, entre o pensamento e o silêncio, lembrando que, desde muito nova, ouço, no seio da minha família, que a palavra tem poder. E, de fato, tem.

Rebobinar a vida pela literatura não é apagar o passado, mas revisitá-lo com outros olhos. É como se, ao reler uma história, pudéssemos reler também uma parte de nós. Aquilo que antes doía pode, aos poucos, ganhar contorno, nome, talvez até um pouco de leveza. E o que era alegria pode, agora, ser memória saborosa — ou saudade.

A literatura, como lembra Reyes, é um espaço simbólico. E esse espaço nos autoriza a sonhar, lembrar, fabular e compreender o que a vida, no seu ritmo apressado, muitas vezes não nos permite perceber de imediato. Ao contar histórias — para nós ou para os outros — abrimos caminho para reconhecer o que nos constitui. Quem somos? Onde dói? Onde pulsa? Do que é feita a nossa coragem?

Quando criança, eu pensava que contar histórias era apenas uma forma de brincar com a imaginação. Hoje entendo que também é uma maneira de nos proteger, reinventar e reconstruir significados. Inventamos histórias para sobreviver a certos silêncios, reorganizar dores e costurar alegrias com mais consciência. Nesse processo, vamos desenhando nossa identidade, moldando valores, reafirmando — e, às vezes, corrigindo — a rota.

Rebobinar a vida é isso: pausar, voltar, escutar novamente. É perceber que a história que parecia boba era, na verdade, um marco importante; que o personagem que desprezávamos era, no fundo, um espelho de nós mesmos; que o enredo não era sobre o outro, mas sobre o que ainda não sabíamos dizer.

Se temos o privilégio de estar entre livros, precisamos lembrar: eles não são feitos apenas de letras. São feitos de passados que se recontam, de futuros que se ensaiam e de presentes que se tornam mais habitáveis.

E, como dizem os heróis dos filmes que meu filho adora, é preciso ir ao infinito e além — ainda que, às vezes, esse “além” seja simplesmente uma volta ao começo, com o coração mais atento.

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