SER PROFESSOR
- Daniela Cabrera
- 25 de ago.
- 3 min de leitura

Com tantas demandas e tanta agitação, de tempos em tempos gosto de revisitar o sonho que me pôs a caminhar. Como diz Freire (1997): “Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar” (p. 79).
Mas, para chegar até esse ponto, é importante mencionar como decidi pela Pedagogia. Em um primeiro momento, acredito que, ao ler os primeiros relatos, muitos pensem no famoso clichê: “ah, ela dava aula para as bonecas”. E sim, começou assim: todas alinhadas à minha frente, uma lousinha de giz pendurada na janela da cozinha e panfletos de supermercado (que hoje quase não existem mais) servindo de lição para serem corrigidos e vistados. E lá estava eu: todos os dias, depois da escola, montava a minha própria escola.
Lembro-me de um dia, aos sete anos, ouvir uma conversa dos meus pais: — “Será que essa menina é doida? Fica falando com as bonecas...” E a resposta confortante da minha mãe: — “Não percebe que ela está estudando tudo o que aprendeu na escola? Deixa-a.”
Depois dessa afirmação, assumi esse lugar que, de alguma forma, parecia mais confortável: não estava apenas brincando de ser professora — estava estudando. E fiz dessa prática algo constante. Recordo-me aos doze anos, estudando para uma prova de inglês e escrevendo nos azulejos da cozinha. Sou grata à minha mãe, que não me impediu. Porque sujeira eu fazia — e muita.
Com tantas percepções conflitantes sobre ser professora — e com um cenário financeiro nada atrativo —, durante o cursinho, fiz orientação de carreira com uma psicóloga. Após várias sessões, ela me provocou com uma frase que ainda ecoa em mim: “Quando você fala sobre educação, seus olhos brilham. Tente perceber sua reação ao falar sobre Administração e Pedagogia.”
No auge da maturidade dos meus 18 anos — ou seja, quase nenhuma — optei por Administração. Fui à primeira aula, chamada Teoria Geral da Administração. A pergunta que norteou o encontro era: — “Que empresa você quer abrir?”
Pensei: se eu disser que quero abrir uma escola, vai soar estranho... Então, o que mais existe que envolva crianças? Buffet infantil. Era o que dava para encaixar.
Conversa vai, conversa vem... capital, giro, rentabilidade... aqueles termos começaram a me deixar enjoada. Pedi para ir ao banheiro e, sentada na tampa da privada, chorei muito. Ali, lembrei das tardes com cheiro de café, da lousa improvisada na janela da cozinha, de quando ensinei um tio a escrever o próprio nome e ajudei o vizinho a melhorar a caligrafia.
Naquele momento, entendi que não era apenas sobre mim — era sobre a possibilidade de impactar a vida dos outros.
A secretaria da faculdade ficava longe da sala, e para chegar até lá era preciso atravessar um pátio descoberto. Saí do banheiro determinada. Caminhei em direção à secretaria pronta para a mudança, sem avisar ninguém. Aquela decisão era um compromisso comigo.
No meio do caminho... chuva. Mas não foi uma garoa — foi intensa. Lembro da sensação: alma lavada.
Hoje, nas palavras da minha analista, compreendo melhor aquela cena: “No frigir dos ovos, Daniela, você presta contas para a sua alma.”
Ao chegar, a secretária me atendeu: — “Em que posso te ajudar?” — “Quero me transferir para Pedagogia. Amanhã estarei no curso.” — “Tem certeza? Não quer conversar com seus pais, pensar melhor?” — “Tenho certeza. Amanhã estarei na Pedagogia.”
No dia seguinte, a aula era sobre desenho infantil e Psicologia. Senti como se estivesse de volta à cozinha da minha casa. Encontrei meu eixo.
Hoje, tantos anos depois daquela noite chuvosa, sigo caminhando — entre encontros, dúvidas e descobertas. Aprendi que, em meio às demandas e à pressa dos dias, é essencial parar, respirar e revisitar o caminho que me pôs a andar.
É nesse retorno às origens, às motivações mais profundas, que reencontro meu eixo, reafirmo minhas escolhas e sigo em frente com sentido e direção. Porque, como nos ensina Freire, o sonho não é estático — precisa ser constantemente retocado, revisitado e reencantado.
E é justamente aí que reside a beleza de caminhar: na possibilidade de olhar para trás com afeto e seguir adiante com propósito.
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